domingo, 17 de outubro de 2010

Não tenho ambições nem desejos

Não tenho ambições nem desejos.

ser poeta não é uma ambição minha.
É a minha maneira de estar sózinho.
...

Ou quando uma nuvem passa a mão por cima da luz
E corre um silêncio pela erva fora.
...
Porque quem ama nunca sabe o que ama
Nem sabe porque ama, nem sabe o que é amar...
...

Da minha aldeia vejo quanto da terra se pode ver do Universo...
Por isso a minha aldeia é tão grande como outra terra qualquer,
Porque eu sou do tamanho do que vejo
E não do tamanho da minha altura...
...

A mim ensinou-me tudo.
Ensinou-me a olhar para as coisas.
Aponta-me todas as coisas que há nas flores.
Mostra-me como as pedras são engraçadas
Quando a gente as tem na mão
E olha devagar para elas.

Fernando Pessoa

sábado, 4 de setembro de 2010

A Jovem pura

Hoje deitei-me junto a uma jovem pura
como se na margem de um oceano branco,
como se no centro de uma ardente estrela
de lento espaço.

Do seu olhar largamente verde
a luz caía como uma água seca,
em transparentes e profundos círculos
de fresca força.

Seu peito como um fogo de duas chamas
ardía em duas regiões levantado,
e num duplo rio chegava a seus pés,
grandes e claros.

Um clima de ouro madrugava apenas
as diurnas longitudes do seu corpo
enchendo-o de frutas extendidas
e oculto fogo.

Pablo Neruda

segunda-feira, 14 de junho de 2010

quinta-feira, 15 de abril de 2010

Foi um momento

Foi um momento
O em que pousaste
Sobre o meu braço,
Num movimento
Mais de cansaço
Que pensamento,
A tua mão
E a retiraste.
Senti ou não?

Não sei. Mas lembro
E sinto ainda
Qualquer memória
Fixa e corpórea
Onde pousaste
A mão que teve
Qualquer sentido
Incompreendido,
Mas tão de leve!...

Tudo isto é nada,
Mas numa estrada
Como é a vida
Há uma coisa
Incompreendida...

Sei eu se quando
A tua mão
Senti pousando
Sobre o meu braço,
E um pouco, um pouco,
No coração,
Não houve um ritmo
Novo no espaço?

Como se tu,
Sem o querer,
Em mim tocasses
Para dizer
Qualquer mistério,
Súbito e etéreo,
Que nem soubesses
Que tinha ser.

Assim a brisa
Nos ramos diz
Sem o saber
Uma imprecisa
Coisa feliz.

Fernando Pessoa

sábado, 6 de fevereiro de 2010

Poema

Exércitos conflituosos foram extintos.
Agora, só deles os fósseis é que restam.
Os sobreviventes.

Muitos deles nos parecem familiares.
Regras são sempre as mesmas.
Apenas os jogadores é que mudam.

Tempo e mortalidade nada significam.

Quando o silêncio ensurdecedor da tua ausência
vibra do cio subtil da luz
e a tua sombra vem turbulenta
no fluxo da noite.

Sátiro à tua beira como asno lácteo.
Diabo ou Deus?

Vem a mim
vem como abismo nupcial
na brisa leve e estranha.
No luar do bosque em marmóreo monte.
O roxo da minha prece ardente.
Do àdito rubro do laço quente.
A alma que enterra em olhos de azul
o ver entrar teu capricho exul.

Vem com trombeta estridente e fina
bela colina.
Meu corpo eu lasso do abraço em vão.
Áspide e agudo na solidão.
Mas vem
está vazia a minha carne fria
do cio sozinho da demonia.
A espada corta tudo que ata e dói.
Tudo cria, tudo destrói.
Dá-me o sinal do olho aberto
a coxa aspa, o toque erecto
e a palavra do louco e do secreto.
Faz o teu ser sem vontade vã!
Desperta na dobra do aperto da cobra.

No corno, no corno do unicornado
eu sou levado
no solstício severo a equinócio,
e raivo, e rasgo
e rosnando fremo, o mundo sem termo
os deuses vão.

Quando despertosdeste sono
a Vida, se soubermos o que somos
e o que foi essa queda de corpo
essa descida até à noite
que nos a alma obstrui.

Conheceremos toda a escondida verdade
de tudo aquiloque há, ou flui.

Não, Nem na almalivre é conhecida.
Nem Deus que nos criou
em si a inclui.
Deus é homem de um outro Deus maior.
Adam supremo, também como foi nosso criador
foi criado e aVerdade lhe morreu.
Além do abismo, spírito lha veda
a quém já não há no mundo
corpo seu.
Mas antes era o Verbo aqui perdido.

Quando a infinita luz já apagada
do caos, chão do ser foi levantado em bomba.

E o Verbo ausente escurecido.
Mas se a alma sente a sua forma errada
em si que é sombra, vê enfim.
Luzido o Verbo deste mundo
humano e ungido.

Rosa perfeita em Deus crucificada.
Então senhores dolumiar dos céus?...
Poderemos ir buscar além de Deus
todo o segredo do mestre
e o Bem profundo?
Não só de aqui mas já de nós despertos
no sangue actual de Cristo
enfim libertos
que morre o adeus da geração do mundo.

Ah!!... Mas aqui onde errais erramos.
Dormimos o que somos.
E a Verdade?
Inda que enfim em sonhos a vejamos?
Vemo-la porque em sonho é falsidade.
Sombras buscando corpos.
Se as achamos
como sentir a sua realidade?
Com mãos de sombra?
Sombras que tocamos!

O nosso toque é ausência e vacuidade.
Quem desta alma fechada nos liberta?
Sem ver
ouvimos além da sala de ser.
Mas como?
Aqui, a porta aberta?

Calmos na falsa morte a nós exposto.

O livro ocluso, contra o peito posto
nosso pai, rosea crux, conhece e cala.

Ulisses Teixeira
29/01/2010
22:06 H