terça-feira, 4 de março de 2008

Poder saber pensar! Poder saber sentir!

" Sentir é uma maçada ". Estas palavras casuais de não sei que conviva a conversa de um minuto ficou-me sempre brilhando no chão da memória. A própria forma plebeia da frase lhe dá sal e pimenta.
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Criei-me eco e abismo, pensando. Multipliquei-me aprofundando-me. O mais pequeno episódio - uma alteração saindo da luz, a queda enrolada de uma folha seca, a pétala que se despega amaralecida, a voz do outro lado do muro ou os passos de quem a diz junta aos de quem a deve escutar, o portão entreaberto da quinta velha, o pátio abrindo com um arco das casas aglomeradas ao luar - todas estas cousas, que me não pertencem, prendem-me a meditação sensível com laços de ressonância e de saudade. Em cada uma dessas sensações sou outro, renovo-me dolorosamente em cada impressão indefenida.
Vivo de impressões que me pertencem, perdulário de renúncias, outro no modo como sou eu.
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Do " Livro do desassossego "
Bernardo Soares